quinta-feira, 23 de maio de 2019

Linhas tortas I




Vivo em receio de te ver
Feliz como eu queria estar
Como a sombra do meu ser
Lavada com as ondas do mar.

Ando em baixo com o meu olhar
Sem reflexo no horizonte
Tenho receio de o sorriso encontrar
Aquele meu, que descobria ao longe.

Fujo irrequieto das multidões
E procuro o sossego de paz
Sento-me com as minhas solidões
A minha e a em que não estás.

Fechei a torneira da imaginação
Aquela que me transporta a ti
Cortei a maré da ilusão
Que alimenta o desgosto em mim.

As palavras que pude bloquear
Só a mim fazem ainda sentido
As que quis guardar
E as que roubaram o sorriso.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Fragmentos IV de fábulas em era uma vez



Era uma vez uma casa banhada pelo arco-íris. Não era o pote de ouro das fábulas, onde se dizia aterrar, mas uma casa, como tantas outras, rodeada de prados verdejantes, bosques densos e frondosos e as montanhas carregadas de neve no horizonte.

Era uma vez uma casa onde nela habitava uma criança, sozinha. Da família não reza a história, pois desde que se lembra nunca teve ninguém naquela casa banhada pelo arco-íris. Foi sempre a companhia que teve e não havia memória de outra.

Era uma vez uma criança que ia buscar água ao poço para preparar o dia e entrava no bosque para colher as refeições. O seu olhar perdia-se naquela paisagem tão conhecida de forma frequente. Sabia-lhe os segredos, as sombras e os contornos na perfeição, assim como as cores do arco-íris que lhe batia à porta.

Era uma vez um arco-íris que fazia companhia à casa isolada. Tal como a criança, era jovem e não tinha ainda forças para a transportar consigo. Porque também o arco-íris tinha desejo de mundo e queria-o na companhia daquela criança sozinha.

Era uma vez, não há expressão mais bonita na língua portuguesa, a par de saudade. Todos os sonhos, passados e futuros, começaram assim, mesmo que deles não nos lembremos. E o sonho não é mais do que um arco-íris à entrada da casa da criança sozinha.