sexta-feira, 5 de julho de 2019

Soltas

Procuro-te sem te querer encontrar. Dobro a esquina receoso. Enfrento a multidão inquieto. Entro a medo.

Tento ver-te sem te querer descobrir. Olho para cima esquecido. Refugio-me no anonimato próprio. Saio aliviado.

Não quero ver as marcas do que não passei. Não quero a felicidade que não provoquei. Não quero o sorriso que não criei.
Não quero o brilho que não esqueci.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Fragmentos VI dos dedos

Dedilhavam os dedos trémulos pelo teclado, pouco interessados das sensações transmitidas sem âncora. Todos pretendiam deixar a sua marca, sem respeito pela prioridade dos pensamentos que os dedos tentavam mas não conseguiam acompanhar. Não era o seu papel, eles mandavam, eles obedeciam.

Havia a razão a dar o seu palpite luminoso, a decência a tentar controlar a narrativa, a imaginação a jogar ideias sem controlo e o coração a reclamar o espaço que sempre julgara seu. A luta interna pelo protagonismo dilacerava os dedos trémulos, sem força para resistir ao ímpeto frenético daquela alma que se tentava desligar.

Dedilhavam os dedos sem compasso de espera, tentando ordenar os variados dizeres internos de um corpo altamente sugestivo mas totalmente disruptivo a querer fazer valer as suas vontades, sem reservas.

Pobres dedos, não sabiam o som das letras nem as notas da música que ouviam. Limitavam-se a tocar o plástico cru, à espera de não fazer má figura.

E que figura diriam eles terem feito, quando se reunissem no profundo descanso? Ao fechar dos olhos, só queriam ter tocado na mais perfeita ordem do caos sempre enviado.