segunda-feira, 24 de junho de 2019

Fragmentos V apelativos



Havia uma casa que sempre me chamou. À distância, quando a olhava, sentia o apelo irresistível da promessa que ela encerrava. A atração pela casa vinha desde jovem pois há anos que a olhava, sempre irresistível como inacessível.

Os meus passos, teimosos e indecisos, ganhavam força conforme a ilusão na mesma medida que afrouxavam na desilusão. Era a lei natural dos princípios da vida que conhecia, nunca conheci outra.

Sob o efeito da lua ou do sol, andava em círculos ao redor da casa que me chamava. Nem mais perto nem mais longe, a distância era sempre uma questão de perspetiva. Na confiança ou dúvida, sentia-a à mão de semear quanto por vezes mais não tinha um vislumbre. Mas nunca saiu do meu horizonte, aquela casa que me chamava.

Fiz as contas à distância vezes sem conta, imaginei a entrada triunfal na casa que me chamava. Fiz a soma no entusiasmo como fiz a divisão na mágoa mas o apelo poderoso nunca cessou, sempre me chamou.



domingo, 16 de junho de 2019

Soltas

Dá o peito às balas, não faz mal, ele está habituado a sofrer.
Descarrega essa corrente negra de dor para cima, não faz mal, ele está habituado a crescer.
Ouve o que não consegues ouvir, não faz mal, ganharás rumo.
Mantém a rotina que te trouxe até aqui, não faz mal, passo a passo avanças.
Tira da alma as palavras secas, não faz mal, o tempo dar-lhe-ás vida.
Deixa as lágrimas cair, não faz mal, terás a cara limpa.
Tira o pensamento do sorriso, não faz mal, sorri-te mesmo por todos.
Nada te fará mal, ainda bem, já cresceste.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

terça-feira, 11 de junho de 2019

Soltas

Do que precisas para ser feliz?

O mundo? O teu ou aquele pelo qual tanto sonhas?

Estende a mão, o mundo que te pertence está na extensão do teu gesto. Cabe-te nos dedos, por entre os quais residem os teus sonhos. Quando perceberes, tens tudo no teu punho fechado à espera de ser vivido.

sábado, 8 de junho de 2019

Breve trecho de linhas tortas III




Guardo as palavras que não vou dizer
Aquelas que perderam o sentimento
Soltas, juntas, tanto faz, ninguém vai ler
Pois falharam em todo o momento.

Aqueles sons já não ressoarão
Nem de perto nem de longe
Abafei-os no meu coração
Trancados, sem fé no horizonte.

Guardo o que vou dizer nas minhas palavras
Seladas nos gestos, momentos e saudades
Vazias, secas, são minhas não são outras
neste grande corpo dorido de verdades.



segunda-feira, 3 de junho de 2019

Linhas tortas II



Esta caixa oca que bate sem prazer
Carrega o castigo das minhas escolhas
Sem a música que dela viu nascer
A dor que alimenta as minhas falhas.

Da caixa oca já só resta o sopro
Pois da pauta as notas todas tirei
Não queria mais o som tenebroso
Do sonho que de falha em falha falhei.

Abri o coração ao meu vazio
Assustado pelo passado presente e futuro
Tirei tudo, medos, vida e juízo
Das escolhas que ainda transporto.

Pois as decisões fazem um homem duvidar
De castigado a um dia sonhador
Tirei a caneta para me olhar
Das muitas falhas de que sou credor.

Pouco ajudam estas linhas ocas
A recuperar as notas tiradas
Olho num horizonte qualquer as músicas
Que um dia serão reencontradas.