domingo, 13 de março de 2022

Caixas de vidro e fragilidades

Naquela caixa de vidro que me rodeava via o mundo mais próximo e imediato. Olhava em todas as direções e espreitava com gosto as histórias e vidas de quem se cruzava com os meus dias. Ouvia os sons, sentia os cheiros, via lágrimas de tristeza e de alegria e contei os passos apressados e outros de corrida de quem se cruzava. Enchia o saco das sensações naquela caixa de vidro que me rodeava.

Naquela caixa de vidro cresci e tornei-me uma pessoa. Descobri o reflexo, o meu e de quem espreitava pelo vidro. O curioso era eu mas a curiosidade estava em quem passava. E foram diversos os olhares que pude sentir presos em mim, com ou sem brilho, resultado dessa inexplicável sensação de espreitar a novidade.

Deixei-me enlear na minha caixa de vidro, a ponto de ter esquecido que ela existia. Erro! Existia mesmo e formava uma barreira contra quem me rodeava - não minha, não por mim mas por ser essa a sua função, distanciar-me e absorver o mundo em meu redor. 

Foi aí que descobri as ligações de fio de cabelo - aquelas tão frágeis que não sobrevivem a um sopro, a um sonho ou um capricho. Seja qual fosse a intensidade dos mesmos, não deixaram de sustentar-se na imprevisibilidade do momento, fazendo quase esquecer que eram não maiores do que um simples fio de cabelo. Por ele passavam palavras, desejos e convicções, informação que sustentou todas as sensações que o mundo mais próximo e imediato me deixou captar. Mas nada escapa à sua verdadeira natureza - um fio de cabelo não se transforma numa cascata por mais que queira. 

Foi pois dessa fragilidade que a minha caixa de vidro se alimentou. E de fragilidade e fraqueza me reconheço e sinto, dentro daquela caixa de vidro que me rodeava e via o mundo mais próximo e imediato. 


sexta-feira, 16 de julho de 2021

Desafiado

Muito para lá do sol se pôr
Bem para cá do dia raiar 
Um rapaz de vida e calor
Decidiu as suas horas mudar. 

Nesta cabeça de sonhos cheia
Julgou crer ser possível alterar 
O mundo na sua versão rotineira 
Para a vida que lhe faz perder o ar.

Foi então que saiu decidido
Abraçado à mudança que o havia de mudar
Por julgar querer comandar o ritmo
Dos minutos que deixou passar. 

Pois na sua cabeça de ilusão 
Ao contrário do novo que era velho 
O velho tornou-se novo de paixão
Naquele disparo que dispensa conselho. 

Qual é o sabor da despedida 
Se o dia agora se rege pela vontade 
Sabendo que longe de decidida 
A hora de travar a felicidade. 

Porque nela a palavra não se esgota 
Trocada por entre sorriso e cor 
Fica bem para lá da suposta hora
Do momento, do brilho e do valor. 

Pois se para ele é certeza 
Que o dia pode ser ao seu desejo
Então fechar os olhos nunca é tristeza 
É antes fôlego para novo cortejo. 

E assim responde ao desafio 
Da palavra que mantém depois da hora 
A despedida não é o último navio
Deste mar de tormentas por agora.

Pois esta água está longe de esgotar 
Agora que comando o norte 
Pois sou eu que decido travar 
O adeus que chega sem sorte. 

Sou comandante dos meus segundos  
Senhor absoluto do ritmo
Se a palavra quebra nos dois mundos 
O meu não pára sem um sorriso. 

E é neste sorriso tão sincero
Que carrego a vontade de te trazer
Outro sorriso tão singelo 
Neste sonho que me fez escrever. 

Agora com tudo do avesso
Para iniciar esta conversa 
Dormes de olho bem aberto 
Enquanto eu fecho de alma aberta. 






sábado, 3 de julho de 2021

Revolta da sombra


 Foi um dia a roçar o esquecimento

Aquele no qual te encontrei

Teve tanto de nenhum momento

Que por pouco não te falhei.


Teria sido mais azar nesta maré de pouca sorte 

Ter percebido que não tinha como perceber

A pessoa que entrou neste mundo sem norte

Sem que tivesse como a receber.


A atenção estava virada para todo o lado

Menos aquele que procurei sempre atento

Foi singular ter batido de frente como parvo

Naquele despertar de um olhar intenso. 


Chamei a minha sombra à atenção

E disse que assim não precisava

Se eu estou de olhos no chão

É dela que espero atenção a tudo e nada.


Ela sorriu de forma envergonhada

E refletiu-se mais brilhante sob a lua

Fez-se crescer de forma despuderada

E gritou: "a culpa é toda tua".



sexta-feira, 25 de junho de 2021

Revivendo a passagem pelo mundo das palavras

Sim, isto é para ti...

São palavras, como outras, mas minhas. 
Sim, isto é para ti...
São palavras que não vazias ou secas. São minhas, não são outras.
Sim, isto é para ti...
São palavras, já repetidas, que quero ver efeitos. Quero que contem, as minhas, não as outras.
Sim, isto é para ti...
São palavras que vêm com gestos, momentos ou saudades. Estas, minhas, não outras.
Sim, isto é para ti...
São palavras, minhas, dedicadas a ti. Estas, não outras. 
Sim, sempre foram para ti...
Estas, as minhas.

domingo, 20 de junho de 2021

Sempre sempre as dores de crescimento




Foram passos atrás de passos, alguns trôpegos outros decididos outros ainda sem ponta que se lhe pegasse, aqueles que me deixaram longe de sentado a escrever: as respostas que encontraria estavam distantes das perguntas que me tenho recusado fazer. Foi uma ausência cozinhada a medo que me tirou o hipnotismo pelo som das palavras que ecoam aqui dentro, naquela música tão minha em que falhei em descobrir o encanto.

Não vale a pena esconder a cabeça na areia, sempre me foi sussurrado ao ouvido pela voz consciente da minha inconsciência. Vires por onde te virares, não podes fugir de ti mesmo e nesta caminhada és tu e só tu que caminha contigo. Mesmo nos tropeções e na mão amiga que te ajuda a levantar, a caminhada é tua. Quando testo os limites, é a mim a quem o sorriso veste e o olho ganha contornos brilhantes. A coragem de te enfrentar é um desafio que não se pega de ânimo leve.  

Nesta caminhada solitária, ouves e refletes, pensas e decides. No final, é a mim a quem devo contas que mais ninguém ousará cobrar. Sou o reflexo espelhado dos passos trôpegos, decididos e dos que não tiveram ponta que se lhes pegasse. E desse reflexo o espelho só a ti dará as respostas, mesmo que te tenhas de recuperar das profundezas mais perdidas em ti.

Portanto, ousa caminhar ao som das palavras. Brinca com elas, joga, faz melodias de encantar ou versos de tristeza mas ousa, passo a passo, trôpego, decidido ou dos que não têm ponta que se lhes pegue, sentar-te e deixares-te render na doce escrita. 


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Dores de crescimento


 A euforia de um olhar intenso

Que procuro na penumbra em redor 

Torna-me distraído de mim mesmo

À procura de algo que não dor.


Esqueço-me de mim mesmo

E sonho com o que não existe

Passo tempo contigo para não o passar preso

Comigo, uma pessoa triste.


Aquele brilho que desejo

Está longe do meu pensamento

Sou sombra em que pouco revejo

Que dista de si que não um momento.


terça-feira, 11 de agosto de 2020

O sorriso que teimas guardar

Oh sorriso que atravessa a alma
Porque te guardam tão fechado?
Devias ser livre sem reserva alguma
De seguro e claro a quem é dado. 

Faz a lua e o sol corar 
Do sorriso que carregas com brio
Pois dele nunca deves abdicar 
Seja pleno, incompleto ou vazio.

Oh sorriso, quando te vejo 
quando me sais do pensamento
Não tem sido fácil domar o desejo
Do sorriso que me tira o momento. 

Um sorriso preso perde vida
Com o passar do tempo sem viver
Sai fruto da uma memória antiga 
De um sorriso que um dia soube ser. 

Cai-lhe o brilho e a luz 
Daquele tímido esboçar 
Não é sorriso para carregar na cruz
Se com ele pleno faz encantar. 

É pois o sorriso que sonho
Aquele que vejo vestido nos olhares 
São horas e palavras até ao encontro
Do momento que me vires e dele usares.