domingo, 13 de março de 2022

Caixas de vidro e fragilidades

Naquela caixa de vidro que me rodeava via o mundo mais próximo e imediato. Olhava em todas as direções e espreitava com gosto as histórias e vidas de quem se cruzava com os meus dias. Ouvia os sons, sentia os cheiros, via lágrimas de tristeza e de alegria e contei os passos apressados e outros de corrida de quem se cruzava. Enchia o saco das sensações naquela caixa de vidro que me rodeava.

Naquela caixa de vidro cresci e tornei-me uma pessoa. Descobri o reflexo, o meu e de quem espreitava pelo vidro. O curioso era eu mas a curiosidade estava em quem passava. E foram diversos os olhares que pude sentir presos em mim, com ou sem brilho, resultado dessa inexplicável sensação de espreitar a novidade.

Deixei-me enlear na minha caixa de vidro, a ponto de ter esquecido que ela existia. Erro! Existia mesmo e formava uma barreira contra quem me rodeava - não minha, não por mim mas por ser essa a sua função, distanciar-me e absorver o mundo em meu redor. 

Foi aí que descobri as ligações de fio de cabelo - aquelas tão frágeis que não sobrevivem a um sopro, a um sonho ou um capricho. Seja qual fosse a intensidade dos mesmos, não deixaram de sustentar-se na imprevisibilidade do momento, fazendo quase esquecer que eram não maiores do que um simples fio de cabelo. Por ele passavam palavras, desejos e convicções, informação que sustentou todas as sensações que o mundo mais próximo e imediato me deixou captar. Mas nada escapa à sua verdadeira natureza - um fio de cabelo não se transforma numa cascata por mais que queira. 

Foi pois dessa fragilidade que a minha caixa de vidro se alimentou. E de fragilidade e fraqueza me reconheço e sinto, dentro daquela caixa de vidro que me rodeava e via o mundo mais próximo e imediato. 


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